29.1.18

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Obrigada.

18.9.17

Eventualmente esperarei por ti...


Eventualmente esperarei por ti, sem ter consciência de que te espero. No momento em que a tiver deixarei de saber esperar. Eventualmente terei saudades tuas mas o medo de te dizer vai continuar a ser maior depois de me teres empurrado da tua vida para poderes passar. Vou continuar a escolher-te a ti nos momentos de carência e achar que já não te quero nos dias que se seguem ao reles domingo. Se me deixasse levar ter-te-ia ligado, perguntado se estás bem e, numa voz trémula, se ponderas ter um outro alguém. Essa hipótese desconcerta-me, talvez ainda goste mesmo de ti. Eventualmente vou querer-te mais perto do que alguma vez conseguirei pedir, esperando que me queiras mais a mim de modo que venhas sem pedido. Mas tu não vens. És mais feliz sem mim. Não encontrando, porém, uma outra pessoa que te faça as mesmas perguntas que eu fazia, os discursos onde eu te envolvia e que, esses, te desconcertavam também. Prepara-te, mesmo mais feliz, irão fazer-te falta. Na frontalidade de te trazer de volta à terra são poucos os que conseguirás aguentar. Não me aguentaste. Fraqueza minha ou tua? Vão passar meses e tu vais ver que continuarei no mesmo sítio como prometi. Certamente com mais algum brilho, mas sempre aqui. Eventualmente fomos feitos para ser uma história mal contada, um casal de tudo ou nada e de quem tão pouco se deveria esperar.

9.9.17

Digo mais palavrões.



Digo mais palavrões. Saem-me com a mesma naturalidade com que eu chamava por ti. Como um hábito, como algo que passou a estar, a ser. Antes de sentir já o estamos a dizer - o teu nome, palavrões quero eu dizer. Na maioria dos dias já não te encontro, já não me perco dos teus detalhes. Embrenho-me nas palavras feias em jeito de graça como que intensificando tudo o que digo. Atenuando tudo o que sinto. É(s) o que restou do hábito - o teu nome, palavras feias quero eu dizer. Dizem que as meninas não as devem dizer, fica mal. Mas quem o diz também soube dar-te leves palmadas nas costas quando te foste. Ora, isso também pareceu tão mal. Foi nesse momento que deixei de ser menina, numa metamorfose que permitia dizer tudo o que sentia, tudo o que queria. É a doce realidade de quem tem cada vez menos a perder. E na maioria dos dias, meu amor, passei a preferir os palavrões ao teu nome. Eles não me respondem, não têm eco, não trazem a frieza que me deste na retirada, nem as palmadas nas costas de quem crê gostar da menina que viu em mim.

23.8.17

«Gostava que te visses pelos meus olhos.»


«Gostava que te visses pelos meus olhos.» - foi o pouco que consegui balbuciar no exato momento que o nosso olhar se cruzou. Sorriste mas não quiseste saber o porquê. Como nunca querias saber sempre que previas um elogio. Deixa-me recuar. Deixa-me contar a esse teu desinteresse aquilo que vi. Estavas absorta na cultura como sempre estiveste. Vestias camisa aos quadrados, aquela que te cobria as pernas, fingindo que não eras tão elegante assim. Mas como eras. Tinhas um jeito espontâneo que te fazia rir para o mundo sem lhe cobrares um único motivo. Ouvi-te sussurrar que a vida era aquilo – «tudo o que podemos levar na alma, o que não se paga nem se pega.» - e deste uma gargalhada por teres conseguido fazer das palavras melodia. 

Entrei na sala de espetáculos e sentei-me mais próximo de ti. Brilhavas. Saberias disso? Penso que não. Mas quanta vontade tive de te poder dizê-lo todos os dias. Parece precipitado, dirão os desacreditados. Mas eles não te conhecem, pobres vidas. Estavas embrenhada na cultura mas no exato momento em que te permitiste olhar-me, disse:

- Gostava que te visses pelos meus olhos.

Não tinha muito mais a dizer-te. Eu soube, juro que soube, que ainda haveria de haver mais espaço nesta vida para nós dois. Cingi-me assim àquele momento em que te olhava. Depois de me olhares e não quereres saber mais. Vi-te cantar com o mesmo entusiasmo que fazias silêncio, perdida na tua introspeção. Quantas vezes ter-te-ás sentido incompreendida por quem não entende que essa bivalência é de quem respira inteligência? Tinhas a emoção à flor da (tua) pele, essa com um leve tom de canela. Os teus movimentos traziam-me o perfume que depressa passou a ser unicamente teu, e me lembrava que esse teu desinteresse passava a ser interesse meu.

30.7.17

Na casa dele...


Na casa dele escreve-se nas paredes, há cheiro a lavanda e diz-se o quanto as pessoas estão bonitas. No entretanto há uma gata que nos recebe, um tigre que nos olha de assalto e dias de chuva que tendem a ser felizes. Na casa dele há um beijo logo à entrada, outro perdido pelo corredor e um lugar sempre livre num sofá desajeitado. Existe sempre uma luz como se existisse sempre vida. Na casa dele aquecem-se as mãos depois de aquecer a alma, esquecem-se janelas abertas para inundar o mundo de amor e nunca se viu um relógio por respeito e analogia à liberdade. Adoça-se o tempo com o doce que ficou no congelador, sabendo agora mais a despedida do que às boas-vindas que para ali o levou. Na casa dele os sinais no corpo tornam-se constelações de estrelas, o lugar da roupa é no chão, o silêncio é uma partilha e chuta-se a vergonha a pontapé mesmo que ela insista em se manter à porta assistindo ao desmoronar de muros. Talvez só ela tenha visto, uma pena. Na casa dele às vezes também faz frio sem muito agasalho que se possa pegar, e as viagens... essas são curtas, que de tão intensas não são feitas para pessoas-de-ficar.

24.7.17

Sentou-se frente a ele...


Sentou-se frente a ele numa sala tão vazia quanto os olhos que encarou. Eram poucas as faixas de luz que entravam pela janela e muitas as partículas de um pó que se fazia notar pelo ar. Respiravam um pseudo oxigénio quente carregado de uma tristeza que sufocava. Quebrou o silêncio com o que parecia ser um sussurro.
- Nunca pensei vê-lo chorar.
- Toda a alma tem lágrimas.
- Nunca imaginei ouvi-lo falar em almas.
- Não há quem não as tenha.
  Deixa-me chorar. – implorou desviando o olhar.
- Deixe-me contá-las.
- O infinito não se conta.
- Então e as vezes em que dizia que também se conta o que não tem fim?
- Vejo que aprendeste bem a lição.
- Vejo que afinal me mentiu.
- Não menti. Eram números.
- Como pode haver tanta emoção por detrás deles?
- Quem te mandou olhar além deles? Vai embora, deixa-me chorar.
- Porque se esconde professor?
   (Suspirou. Deixou os braços cair no colo e encostou-se para trás)
- Por já me ter mostrado demais.
- Partiram-lhe o coração?
- A alma, porra!
- Como sabe?
- Contei-lhe os pedaços.
- E depois?
- Vais continuar a fazer perguntas?
- Se puder...até entender como alguém aparentemente tão implacável pode chorar assim. Como se lhe saísse de cada um desses pedaços.
   (Encarou-o num breve silêncio)
- Depois vieram os números e tornem-me aparentemente implacável.
- Se eu chorasse assim tinha-me tornado escritor.
- Não vejas tudo pela lógica. Os números também trazem poesia.
- Mas não rimam. Nem, tão pouco, todos a conseguem ver.
- Quis-me esconder. Para mim, estava ótimo assim.
- Não se arrepende?
- Da matemática? Nem um minuto.
- Mas afinal o que de melhor ela lhe trouxe?
- A matemática? A aprender a contar o infinito.